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OLÁ,

A atualidade de Lorraine Hansberry

Primeira dramaturga negra a estrear uma peça na Broadway e símbolo na luta pelos direitos civis nos EUA é celebrada com nova montagem em Nova York

Por Humberto Maruchel, de Nova York
7 jul 2023, 02h10
Cena da peça !The Sign in Sidney Brustein's Window".
Sidney (Oscar Isaac) e Gloria (Gus Birney). (Julieta Cervantes/divulgação)
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Lorraine Hansberry viveu apenas até os 34 anos, mas em tão pouco tempo foi capaz de fazer história ao se tornar a primeira mulher negra a ter um espetáculo na Broadway. Em 1965, enquanto o país avançava lentamente na conquista dos direitos civis, ela faleceu devido a um câncer no pâncreas. Alguns meses antes de sua morte, estreara The Sign in Sidney Brustein’s Window, obra que neste ano foi remontada sob a direção de Anne Kauffman, com Oscar Isaac e Rachel Brosnahan interpretando o casal principal.

A peça conta a história de Sidney (Oscar) e Iris (Rachel), que moram em Greenwich Village, em Nova York. Ele é um homem branco idealista que se perde nos próprios devaneios e não hesita em pular de sonho em sonho. Enquanto isso, sua esposa trabalha incansavelmente como garçonete ao mesmo tempo que busca se consolidar como atriz. Os dois compartilham ideais progressistas e vivem rodeados de artistas e boêmios, valorizando a diversidade, algo raro na época em que a peça foi publicada, em 1964. Sidney, com sua curiosidade revolucionária, é convencido por seu amigo Alton Scales, um ativista negro, a apoiar a candidatura de Wally O’Hara, um político que supostamente tem uma visão reformista semelhante à de Sidney. Uma das maneiras de mostrar seu apoio é pendurar uma bandeira com o slogan de O’Hara.

Cena da peça !The Sign in Sidney Brustein's Window
Alton Scales (Julian De Niro) e Wally O’Hara (Andy Grotelueschen). (Julieta Cervantes/divulgação)

Alton, por sua vez, é um jovem que tenta reafirmar sua identidade negra, embora seja muitas vezes identificado como homem branco devido ao fato de ter a pele mais clara. Ele se apaixona pela cunhada de Sidney, Gloria, a quem ele acredita ser uma modelo internacional. Ela, no entanto, é uma prostituta. Os dois ficam noivos, mas o compromisso é rompido quando Alton descobre a verdade. Embora pareça uma situação secundária, ela é crucial no desenrolar da peça e nas mudanças de temperamento, mostrando principalmente as contradições de alguns dos personagens.

A montagem hiper-realista de duas horas e trinta minutos é repleta de vigor e esbanja ótimas atuações, especialmente de Oscar e Rachel, que mantêm a audiência envolvida. Longe de ser ultrapassada, a peça se mostra extremamente relevante e contemporânea.

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Iris, interpretada por Rachel Brosnahan.
Iris (Rachel Brosnahan). (Julieta Cervantes/divulgação)

The Sign in Sidney Brustein’s Window é o segundo texto escrito por Lorraine. Sua primeira publicação é a aclamada A Raisin in the Sun, que já ganhou diversas montagens no teatro e até mesmo adaptações para o cinema. Assim como sua última peça, esta traz elementos da vida de Lorraine, uma feminista fortemente envolvida na luta pelos direitos civis. Seu pai, Carl, fundou um dos primeiros bancos para negros em Chicago, tendo chegado a trabalhar para a National Association for the Advancement of Colored People (NAACP), uma importante organização de combate ao racismo nos EUA. Na década de 1930, seus pais foram pioneiros ao desafiarem as regras segregacionistas em bairros exclusivos para pessoas brancas. Essa circunstância inspirou a criação de A Raisin in the Sun, que trata dos desafios de uma família negra em busca de um novo lar em uma cidade que resiste à inclusão. Nos palcos da Broadway, a peça sofreu resistência. Afinal, era um texto sobre uma família afro-americana, com atores negros, apresentado para uma audiência branca. A assimilação aconteceu numa tentativa de embranquecer a narrativa.

Miriam Silverman e Julian De Niro.
Mavis Parodus (Miriam Silverman) e Alton Scales (Julian De Niro). (Julieta Cervantes/divulgação)
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No caso da família Hansberry, o tumulto em torno da mudança para o novo bairro foi tanto que uma multidão de vizinhos se reuniu em frente à casa dos novos moradores para protestar contra sua presença. Eles foram forçados a se mudar, mas não deixaram barato. Entraram com uma ação judicial que chegou até a Suprema Corte, que resistiu em acolher seus argumentos, algo que aconteceu somente após algumas décadas, quando Carl já estava morto. Ainda assim, sua luta foi determinante para acabar com as restrições baseadas em critérios racistas.

Lorraine manteve o mesmo destemor ao confrontar as narrativas dominantes por meio da dramaturgia. É sabido que o texto The Sign in Sidney Brustein’s Window também é inspirado em uma de suas relações pessoais, seu casamento com Robert Nemiroff, um escritor branco. Quando se uniram, em 1953, o casamento inter-racial ainda não era permitido em todo o território nacional. A união durou nove anos, e eles permaneceram amigos. Além do casamento, Lorraine era lésbica, fato que só se tornou público após sua morte, a partir dos escritos em seus diários. Ela também tinha um forte envolvimento com a política, com inclinações comunistas, o que, sem surpresa, chamou a atenção do FBI. Não bastassem suas qualidades, era próxima de James Baldwin e foi imortalizada numa letra de Nina Simone: “To Be Young, Gifted and Black”.

Sidney (Oscar Isaac).
Sidney (Oscar Isaac). (Julieta Cervantes/divulgação)

As obras de Hansberry ainda não foram traduzidas para o português e são pouco conhecidas pelo público brasileiro, embora tenham uma personalidade facilmente identificável diante do histórico colonialista presente nos dois países, refletido em racismo e desigualdade até os dias atuais. Hoje, ela é lembrada como um símbolo heroico na luta pelos direitos civis.

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