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Liniker lança álbum ‘Caju’, seu alter-ego íntimo: “é a fase mais madura da minha escrita”

No segundo álbum solo, a artista explora uma gama de gêneros, do blues ao pagode, com a participação de grandes nomes como Pabllo Vittar e Lulu Santos.

Por Humberto Maruchel
23 ago 2024, 09h00
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Liniker em editorial para o lançamento do disco "Caju", seu primeiro álbum solo após a pandemia de Covid-19 (Rony Hernandes/divulgação)
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Foi assim, à meia-noite, na virada de um domingo para uma segunda-feira, que Liniker lançou seu mais novo álbum, Caju, o segundo de sua carreira solo – o penúltimo Índigo Borboleta Anil saiu em 2021 ainda durante a pandemia. Em menos de 24h o projeto teve 6 milhões de plays em menos de 24 horas e já tem 13 músicas no top 100 Brasil. Nas redes sociais, a artista agradeceu o a repercussão e disse à Bravo! o resultado reflete seu momento mais confiante da carreira solo. “[O álbum] traz uma autoestima que estou experimentando pela primeira vez. Acho que é aquela segurança de que as pessoas falam quando você vai chegando mais perto dos 30; tem algumas coisas que você já não dá muita atenção. Talvez eu esteja experimentando esse lugar de amadurecimento, de sentir que estou realmente florescendo. E isso é muito gostoso.”

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Caju traz algumas novidades em relação aos outros lançamentos. Nele, Liniker experimenta outros gêneros, passeando pelo blues – como de costume –, pelo pop, pelo reggae, e também pelo pagode. “Quero desafiar os padrões nos quais tentam me encaixar e experimentar outras aventuras e mergulhos criativos. Tem sido muito empolgante fazer um álbum pop, um pop autoral, e, ao mesmo tempo, questionar qual tipo de pop é esse. Talvez seja um pop experimental, mas ainda assim popular”, explica. Juntamente com a faixa-título Caju, o álbum inclui hits como “Tudo”, que foi lançado como carro-chefe em julho, além de “Ao Teu Lado”, com Amaro Freitas e ANAVITÓRIA, e “Deixa Estar”, com Pabllo Vittar e Lulu Santos.

Além de compor todas as canções — algumas em colaboração com outros artistas —, Liniker também assumiu a produção do álbum. Ela revela que o processo de escrita tem sido fundamental para o seu amadurecimento: “Compor tem sido um grande prazer. Essa maturidade vem com a idade, diferente de quando lancei meu primeiro disco, Remonta, que refletia a minha adolescência.”

Amo cantar e me apresentar, mas escrever é minha verdadeira paixão. Estou mais próxima das palavras. – Liniker

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Confira o papo completo que a Bravo! teve com a cantora nos estúdios da Editora Abril abaixo:

Como está sentindo a recepção ao seu álbum?
Estou muito feliz, obviamente. Estava com muita expectativa antes de saber como seria o lançamento. Mas uma coisa engraçada é que Caju me trouxe novamente uma sensação parecida com a que tive quando lancei os três primeiros singles no início da minha carreira em 2015, no sentido de ver as pessoas falando e se envolvendo com o trabalho. Isso é muito especial, porque mesmo tendo vivido muitas coisas na minha vida, mesmo estando em um momento da minha carreira onde as coisas têm se estabilizado cada vez mais, ainda sinto essa borboleta no estômago.

Esse é o seu álbum mais íntimo, correto?
Sim, todos são. Ainda mais pelo fato de eu ser uma cantora que também é compositora, então tudo o que eu escrevo está muito ligado ao que eu vivo. Mas acho que a força pessoal diferente que Caju traz é a autoestima, que talvez seja a primeira vez que estou experimentando. Acho que é aquela autoestima de que as pessoas me falaram quando você vai chegando mais perto dos 30, tem algumas coisas que você já não dá muita atenção. Talvez eu esteja experimentando esse lugar de amadurecer, de sentir que estou florescendo mesmo. E isso é muito gostoso. Por mais que eu esteja com essa ansiedade, com essa afobação, pelo disco, pelos números que estão crescendo em poucas horas, poucos dias de lançamento.

Primeiro, por que o nome Caju? E você poderia contar um pouco sobre a jornada que te levou à criação do álbum?
Caju é um álbum que nasce de um desejo antigo de me sentir segura, de sentir os meus pés no chão. Após todos esses anos de carreira, que começaram de forma turbulenta com um viral que me impulsionou para lugares que eu nem imaginava alcançar, eu queria ter a experiência de criar um álbum que fosse firme. Um álbum que refletisse minha segurança, tanto nos processos criativos quanto na autoestima. Caju surge como um alter-ego, uma super-heroína que quero ser e que ajuda a Liniker a seguir em frente. É um álbum extremamente solar, e essa personagem também é solar.

Esse sol, fragmentado em um alter-ego, é uma persona que, embora seja uma parte de mim, é uma versão mais corajosa, que me faz brilhar em lugares onde antes eu tinha medo de ocupar. É um exercício que nasce da minha análise, do meu processo terapêutico, e é quando os anos de análise começam a fazer sentido, quando percebo que as coisas já foram para outros lugares e que estou em um novo estágio da minha vida.

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Foi um processo muito bonito e tranquilo. Pela primeira vez, vivi um processo criativo em paz. O álbum Índigo Borboleta Anil, meu primeiro solo, nasceu na pandemia e carregava essa energia pandêmica, a incerteza sobre shows e o futuro. A única dificuldade que tive com Caju foi controlar minha ansiedade, pois eu já queria muito ver o disco pronto.

O álbum teve alguma referência específica que você trouxe, seja do cinema ou da música?
Primeiro, acho que o plano-sequência e as transições entram um pouco nessa liga onde a pessoa ouve e sente que está saindo de uma cena sem cortes. Nas faixas com orquestra, principalmente em “Veludo Marrom” e “Ao teu lado”, eu queria levar para um lugar onírico, o melhor sonho possível, a melhor experiência de sublimação do imaginário que a gente pudesse imaginar.

Minha referência foi, se eu pudesse, em 2024, como nos anos 1990 era uma cultura muito grande, é como se uma artista brasileira estivesse fazendo a trilha sonora de um filme da Disney. Então, trouxe essa magia, esse brilho nessas duas canções, com arranjos sinfônicos feitos por Tiago Costa e Henrique Albino.

Você falou sobre sua experiência de coprodução, mas, além disso, você também compôs todas as faixas do álbum, algo que costuma fazer. Poderia falar um pouco sobre essas duas experiências e como elas se cruzam?
O processo de composição começou em 2023, ainda durante a turnê de Índigo Borboleta Anil. Quando estamos na estrada, como artistas, passamos por muitas experiências, e o tempo livre que temos em quartos de hotel, aviões ou vans acaba se tornando o momento de organizar ideias. Nesses momentos, eu sempre tentava escrever, gravar áudios e organizar minhas ideias poéticas. No meio da turnê, já sentia a necessidade de criar algo novo, de fazer um novo álbum.

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O fato de coproduzir também nasceu nesse processo de Índigo Borboleta Anil, que foi a primeira vez que aceitei essa responsabilidade. Embora eu já tivesse lançado três discos antes, onde compus todas as músicas, eu não tinha o espaço ou a confiança para assinar a produção. Na época, eu ainda não tinha o conhecimento e a clareza das minhas ideias como tenho hoje, o que agora me permite comunicar melhor com meus parceiros de produção.

Compor tem sido um grande prazer. Eu amo cantar e me apresentar, mas escrever é minha verdadeira paixão. Sinto que estou em uma fase mais madura e moderna da minha escrita, mais próxima das palavras. Essa maturidade vem com a idade, diferente de quando lancei meu primeiro disco, Remonta, que refletia a minha adolescência. Agora, sou mais sagaz na escolha das palavras e das metáforas, procurando sempre usar termos que façam sentido e que se encaixem naturalmente.

Como é a organização desse processo criativo? Você começa pelas palavras, pela melodia?
Quanto ao processo de criação, ele varia. Às vezes, a escrita vem antes da melodia; outras vezes, é o contrário. No processo de Caju, gravei muitas melodias e letras no meu telefone e depois trabalhei em cima delas. Em alguns casos, a música e a letra surgiram juntas, como uma enxurrada de ideias. Cada processo é único.

O tempo de composição também varia. Sou bastante decidida quando escrevo, então, muitas vezes, organizo minhas ideias e termino rapidamente, em meia hora ou uma hora. Não gosto de começar uma letra e deixá-la inacabada por dias. Nesse álbum, senti uma urgência em expressar certos sentimentos, o que acelerou o processo.

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E outra coisa muito legal do álbum é essa diversidade de estilos. Você passa pelo pop até o reggae. Então eu queria te perguntar como que foi a escolha desses gêneros e como que eles contribuem para a construção dessa narrativa?
Acredito que todo esse brilho de Caju veio, além de me fazer brilhar em novos lugares, para me divertir. Fiz este álbum com a intenção de criar algo que, embora seja voltado para a indústria, também reflita o que quero sentir e como quero me divertir. Tenho escutado esses ritmos e gêneros musicais há muitos anos; tudo que está no disco faz parte do que eu consumo. Queria criar um álbum que fosse uma diversão artística, uma oportunidade de ser disruptiva e mostrar que estou explorando novos territórios.

Quero desafiar os padrões nos quais tentam me encaixar e experimentar outras aventuras e mergulhos criativos. Tem sido muito empolgante fazer um álbum pop, um pop autoral, e, ao mesmo tempo, questionar qual tipo de pop é esse. Talvez seja um pop experimental, mas ainda assim popular, porque os ritmos presentes no álbum, como pagode, brega, e pagodão, são populares e nacionais, mas muitas vezes não são reconhecidos como pop por questões sociais, especialmente por serem criados por pessoas pretas, latinas e indígenas. Estou quebrando essas caixas com este projeto e me divertindo muito no processo.

O álbum conta com colaborações de artistas renomados como Lulu Santos, Pabllo Vittar e BaianaSystem. Como essas parcerias se desenvolveram e o que elas trouxeram de novo para o seu trabalho?
Primeiro, todas as parcerias que somaram nesse trabalho e nos projetos são com pessoas que eu admiro muito, e que a estrada, nesses anos fazendo shows e conhecendo gente, acabou me aproximando de alguns deles. Mesmo sendo uma artista que está no mercado independente, nos últimos anos eu comecei a ter um acesso maior dentro dos line-ups dos festivais, trocando também com esses artistas que estão mais no mainstream. E foram escolhas muito lindas, porque além dessa aproximação que a estrada trouxe, tem um lugar de admiração.

E a sua carreira como atriz influenciou neste disco de alguma maneira?
Acho que minha carreira como atriz ela não dá para deixar fora do paralelo de ser cantora. Ela definitivamente influencia este disco. Atuar e cantar são paralelos inseparáveis para mim. O palco me ensina, a atuação me dá noções de presença, verdade e expressão. Quando estamos atuando, estamos trazendo algo para fora, algo que foi escrito ou vivido por uma personagem.

Caju, sendo uma personagem, sendo meu alter-ego, me oferece um subtexto e uma direção de ação para alcançar meus objetivos com este álbum: ser solar, voraz, autônoma, e ter autoestima.

Liniker
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Além disso, o palco, na execução de um show, é um lugar muito sagrado. Ali, você está dominando energias, interagindo não só com o público, mas também com a equipe que faz o espetáculo acontecer – técnicos, iluminadores, a banda. Minha formação em teatro me proporciona uma bagagem muito rica, e sou extremamente grata por isso. Fico feliz por poder somar em várias linguagens e não me limitar a uma só.

Você mencionou um pouco sobre autonomia e gostaria de retomar esse ponto. Por que, mesmo já tendo um espaço importante na indústria musical, você escolheu se manter independente? Quais são os prós e contras dessa escolha?
A escolha de me manter independente vem do fato de eu ainda não me sentir pronta para estar em um processo de gravadora. Isso não significa que, no futuro, eu não possa considerar uma parceria maior com a indústria, talvez com uma label. Essas escolhas são muito serenas para mim. Ainda não me sinto totalmente à vontade, mas também não estou fechada a essa possibilidade. Ser independente me coloca em um lugar seguro, onde tenho controle sobre o que quero apresentar enquanto proposta.

Há outra questão que gostaria de abordar: agora que você é um imortal da cultura brasileira, o que essa conquista representa para você, pessoalmente, e também para a sociedade? Como você vê esse reconhecimento coletivo?
É nossa, e é muito louco porque minha ficha ainda não caiu sobre isso. É tão grande e tão inesperado, especialmente se tratando de uma travesti imortalizada no país que mais mata pessoas trans no mundo e LGBT+. Isso é algo com o qual lido diariamente, quando me perguntam. A maneira como eu respondo, claro, é com muita felicidade e realização; é algo gigantesco, especialmente no dia em que fui empossada, ao lado de outras mulheres negras que tanto admiro.

Mas acho que essa conquista é, ao mesmo tempo, uma resposta e um questionamento que fazemos ao Brasil: por que ainda há tanta violência contra nossas existências? Por que tantos sonhos e vidas são interrompidos? Encontrei na arte uma maneira de somar à minha sociedade, mas há muitas outras pessoas que estão procurando espaço, que já somam, mas não são vistas. Que não seja só Liniker a ser imortalizada, mas que possamos, além de imortalizar, fazer com que esses sonhos e histórias vivam, que respeitemos todas as vidas que contribuem para a história deste país, no que ele tem de mais puro e próspero.

E você ocupou a cadeira da Elza Soares. Qual era a sua relação com a música da Elza e com a própria Elza?
Mesmo que Elza tenha feito a sua passagem, sinto que ela continua muito viva em nossa história e no Brasil. Tive a sorte de viver muitos encontros lindos e momentos especiais ao lado dela. Para além de ser uma grande fã, sempre nos tratamos com muito carinho, com uma generosidade quase familiar. Outro dia até comentei que, das muitas vezes em que nos vimos, trocamos palavras, mas nossas conversas iam além das palavras; falávamos muito através do olhar. Sentir-me percebida e vista por ela com certeza me deu muita força.

Não era uma passagem de bastão, mas sim um reconhecimento mútuo, como iguais, mesmo com toda a sua experiência e anos de carreira a mais, ela sempre foi muito generosa e atenta ao que eu estava realizando. Sou profundamente grata a Elza e a tudo o que ela representa na minha vida.

Eu queria só retomar a pergunta sobre o disco, né? E perguntar por que você escolheu lançar o disco com “Tudo” e qual que é a história dessa composição?
Acho que esse single, primeiro, traz uma brasilidade, uma coisa latina que eu já queria muito que fosse um elemento do álbum. A história por trás dessa canção é que por mais que você queira viver amores, por mais que você queira estar em lugares onde você é acolhida, onde eu sou acolhida, eu também sei do meu tamanho, sabe? Eu também sei o que quero, também sei quais são os limites. Tem até uma frase da canção que diz que, ‘se eu for imensa para você, sinto muito’, porque muitas vezes me vejo querendo viver algumas relações amorosas, vejo isso acontecer com algumas amigas que também querem viver esse amor eterno, esse amor íntimo, mas a gente acaba se diminuindo para caber nas histórias. Então, quero viver histórias onde eu não precise me diminuir, mas onde os tamanhos sejam equilibrados e que ser imensa não seja um problema, mas uma soma.

Por que todo mundo precisa ouvir Caju? E qual sensação que você quer despertar no público? 
As pessoas precisam ouvir esse disco porque ele é um álbum de música. É um álbum muito bem produzido, muito bem pensado, com muito sentimento, com muita tinta, com muita verdade. Esse disco não tenta ser nada, ele já é. Então, acho que é muito legal quando você se relaciona com algo que sabe de si.

‘Caju’ é um álbum sem dúvidas, sem medos, com muitas vontades, com muitos desejos e é um álbum que sabe de si, é um álbum do Brasil – Liniker

Escute ao disco Caju na íntegra abaixo:

 

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