O Choro vive
No Dia Nacional do Choro, compilamos uma lista dos melhores locais para curtir rodas de chorinho em São Paulo
Foi um erro que fez com que o Dia Nacional do Choro fosse comemorado em 23 de abril. Criada nos anos 2000 por lei federal, a escolha foi feita porque se acreditava que essa data marcava o nascimento do compositor, maestro e sanfoneiro brasileiro Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha. Deve ser desnecessário dizer que o músico foi um dos nomes mais populares do Choro – ou Chorinho, se preferir. Não é possível falar de um sem o outro. Se não foi um dos primeiros, tornou-se, certamente, o mais lembrado. O talento veio cedo e o músico compôs sua primeira canção, “Lata de leite”, pouco antes de completar 20 anos.
Mas a verdade é que Pixinguinha não nasceu em 23 de abril, descobriu-se mais tarde. Tarde demais, diga-se de passagem. Uma pesquisa recente, conduzida por outro músico, Alexandre Dias, num projeto do Instituto Moreira Salles, revelou que o artista nasceu alguns dias mais tarde, em 4 de maio. A data celebrativa, no entanto, foi mantida. Pixinguinha nasceu em 1897, quando o Choro já existia enquanto modo de tocar. Naquele momento, se tratava de uma maneira especial de interpretar outras canções, que surgiu como uma ponte para o abrasileiramento da música europeia.
O Choro é marcado pela improvisação, virtuosismo e influências culturais variadas. Geralmente instrumental, mas pode, ocasionalmente, ser acompanhado de letras. E é executado por um conjunto de músicos, e formado por violão, cavaquinho, flauta, bandolim e pandeiro, entre outros instrumentos. Não há uma explicação definitiva para a escolha do nome, mas a teoria mais difundida é que se deve ao caráter emotivo e triste das canções.
Finalmente, em fevereiro deste ano, o Chorinho foi declarado Patrimônio Cultural do Brasil por decisão do Conselho Consultivo do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A deliberação veio após um pedido do Clube do Choro de Brasília, do Instituto Casa do Choro do Rio de Janeiro e do Clube do Choro de Santos. A expectativa agora é que haja mais incentivo, por meio de editais, para iniciativas envolvendo o Choro. E, quem sabe, assim aconteça uma renovação desse estilo.
De Pixinguinha às rodas do centro de São Paulo
Foi a partir das composições de Pixinguinha que novos chorões e choronas se fizeram. É o caso de Fernando Werneck, músico de São Paulo, que integra o grupo de Choro Cortando Cebola. O contato com a modalidade se deu cedo nas aulas de música com Jarbas Barbosa, da banda Mantiqueira. “O Choro é uma junção tipicamente brasileira, que aconteceu no Rio de Janeiro, a partir das danças de salão, das polcas, das valsas, as mazurcas que eram executadas quando o Brasil era parte do Império Português. A partir de 1808 vieram o resto da corte e todos os músicos. Então chegaram várias partituras no Rio de Janeiro, e com isso começou a ser feita uma primeira produção de músicas urbanas brasileiras”, explica Fernando.
Ele conta que o Choro ainda não tinha esse nome. Quando Pixinguinha nasceu, outros compositores de peso já haviam deixado suas influências. “O choro surgiu da fusão entre danças europeias e ritmos africanos, tocados principalmente em pensões e outros locais urbanos. Nessa época, destacaram-se figuras como Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e Anacleto de Medeiros. No final do século XIX, Joaquim Callado, um flautista negro, compôs ‘Flor Amorosa’, que é considerada a primeira peça a receber o nome de Choro.”
Com o tempo, houve um ostracismo do Choro, avalia Fernando. Por isso, há uma dificuldade em dizer que há um estilo de Choro contemporâneo, como acontece com o Jazz, ou até que ele seja difundido, como outros gêneros musicais, que superaram as transformações da indústria musical, como foi o caso do samba, ou em menor medida, da Bossa Nova. Mas, ainda assim, há muitos chorões por aí, mantendo a tradição.
“Ele foi se modificando, assim como o jazz e outros gêneros longos, mas o Choro entrou em declínio com a chegada da Bossa Nova. Antes do choro, havia o período das danças europeias, seguido pelo surgimento do choro com composições de pianistas como Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazaré. O Pixinguinha consolidou o gênero e fez uma turnê pela Europa com os Oito Batutas, o que trouxe grande reconhecimento. Jacó do Bandolim, contemporâneo de Pixinguinha, também teve sua influência até a chegada da Bossa Nova”, completa o músico.
Levou algum tempo que o Choro chegasse em São Paulo, que na época ainda era pouco povoada. Com o tempo e o crescimento urbano, a cidade foi se consolidando como um ponto de referência do Choro.
São Paulo tem uma cena viva de Choro, especialmente na região central da cidade. Há, inclusive, uma iniciativa formativa pública, criada em 2019, a Escola de Choro de São Paulo, que oferece cursos gratuitos de diversos instrumentos, como Cavaquinho, Clarinete, Pandeiro, Flauta, Bandolim e Violão 7 cordas. Um dos fundadores é Enrique Menezes, doutor em musicologia pela USP (Universidade de São Paulo). A ideia surgiu há alguns anos, quando Enrique tocava junto a um grupo no bar Ó do Borogodó, em Pinheiros. Das reuniões, nasceu o grupo Cadeira de Balanço, que passou a desenvolver outras ações além dos shows.
“Começamos a discutir a ideia de criar uma escola de Choro que fosse na contramão ao modelo convencional das escolas e conservatórios de música, que se fundamentam principalmente em influências europeias. A tradição no ensino da música em geral é muito eurocêntrica. O currículo é centrado na harmonia e no contraponto europeus, muito baseado em compositores clássicos daquela época e região específicas. Queríamos criar uma escola que explorasse outras facetas da música, que tivesse mais a ver com história brasileira”, conta Enrique.
De início, as aulas aconteciam no Parque Sabesp. Até conseguirem apoio de outro músico e passaram a ocupar uma casa em Pinheiros. Para Enrique, há um aspecto ainda pouco discutido sobre a história do Choro, que é justamente as suas raízes. “O choro e o samba nasceram do mesmo lugar, eles são irmãos gêmeos. Só que o samba é o gênero cantado, e o choro é o gênero instrumental, mas eles têm o mesmo DNA. Os dois têm parte de ascendência africana e parte de ascendência europeia. Já a coisa brasileira é a adaptação de tudo isso.”
Para ele, se faz necessário fortalecer a concepção de que o Choro possui uma essência mais popular do que erudita, embora envolva uma complexidade nas partituras e um virtuosismo em sua execução.
“Há muitas histórias de agrupamentos de músicos que tocavam em portas de igreja, em festas, e nos salões do século XIX. Eram músicos populares, pessoas com todos os tipos de educação musical que tocavam muitas vezes só de ouvido. Tocavam violão, tocavam flauta, tocavam os instrumentos que chegaram com a corte portuguesa, mas tocavam pífano, flautas de bambu, tocavam chocalhos e instrumentos percussivos de origem africana.”
Onde assistir a um Chorinho em São Paulo
Para aqueles que querem conhecer e curtir o som, há diversas opções em São Paulo. Anota aí:
Segunda:
Requinte Vinho Bar, com o Choro do Bar do Bacalhau, às 19:30h (Av. Professor Alfonso Bovero, 560)
Quarta:
Old Gold, com o Chorinho da Santa, às 19h (Rua Frederico Abranches, 417)
Colchetes Café, com o Linha de Passe, às 19h (Rua Mateus Grou, 162)
Boteco da Dona Tati, com o coletivo Cortando Cebola, às 19h (Rua Conselheiro Brotero, 506)
Quinta:
Bar do Hotel Selina Aurora, com o Xoroxangô, às 22h (Av. Vieira de Carvalho, 99)
Escola de Choro de São Paulo, às 19h (Rua Belmiro Braga, 164)
Jhony’s Bar, com o Quarteto em Dó Machado, às 19h (Rua Canuto do Val, 20)
Sexta:
Old Gold, com o Chorinho da Santa, às 19h (Rua Frederico Abranches, 417)
Boteco Amélia Vila Buarque, com o Quarteto em Dó Machado, às 19h (Rua General Jardim, 596)
Bar Maçã Verde, com o Chorinho do Pinhão, às 20h (Rua Paes Leme, 46)
Van Grogh Praça Bar, com o grupo Canto Para Ceci. As apresentações acontecem a cada 15 dias, a partir das 19h (Rua Frederico Abranches, 96 – Santa Cecília)
Sábado:
Colchetes Café, com Linha de Passe, às 13h (Rua Mateus Grou, 162)
Casa Meio do Céu, roda de choro apenas com mulheres. Acontece uma vez por mês, a partir das 14h (Rua dos Franceses, 258)