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“Construção”, de Chico Buarque, é uma das 100 canções essenciais da MPB

Conheça a história por trás do poema-protesto feito durante exílio do músico na época da Ditadura

Por Redação Bravo!
19 jun 2024, 09h00
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Chico Buarque em 1974, no período em que desafiava a ditadura (Bravo! 100 canções essenciais/acervo rede Abril)
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Quando “Construção” despontou no cenário brasileiro, em 1971, Chi­co Buarque já era uma unanimidade. O autor de “A Banda”, música vencedora do 2º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1966, influenciaria toda a geração de músicos que veio depois desse primeiro marco.

Com o álbum que leva o título dessa música, Chico Buarque dava início à segunda fase de sua carreira, de vertente mais crítica. No lugar do menino tímido de cabelos curtos e semblante apaziguado que estampou as capas de seus três primeiros discos, to­dos intitulados com seu nome completo, surgia na capa de Construção.

Nascido em 1944, no Rio de Janeiro, filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, Chico teve educação esmerada. Como muitos de sua geração, ingressou nas fileiras da esquerda contra o regime militar de 1964. Quando compôs “Construção”, em 1971, estava no exílio, na Itália, onde vivia com atriz Marieta Severo, com quem se casara em 1966.

A genialidade da letra e arranjo de “Construção”

A música é um marco da faceta de denúncia que caracterizaria parte de sua produção posterior. No lugar do operário que esperava o trem e “alguma coisa mais linda que o mundo”, na canção “Pedro Pedreiro” (1965), surge o pedreiro sem horizontes e agonizante de “Construção”. Poema-protesto, símbolo de uma era de crise social no Brasil, mergulhado no paradoxo de um “milagre eco­nômico” que ampliava as desigualdades. Na música, o protagonista é o operário de obra que, sem saber que aquele seria o último dia de sua vida, “beijou sua mulher como se fosse a última”, “subiu a construção como se fosse máquina”.

Como os arranha-céus que surgiam na febre de um progresso às avessas, Chico construiu a canção, estruturada em apenas dois acor­des, de forma rigorosa: 41 versos, todos terminados em proparoxíto­nas, todos dodecassílabos (12 sílabas). A letra obedece a um esquema rígido de dois blocos de estrofes — um antes e outro depois da morte do operário — que alternam, na segunda parte, as últimas palavras dos primeiros versos. Depois da morte do operário, clímax da narrativa, a alternância das palavras causa um efeito de desarticulação, eco da desconstrução do sujeito anônimo que “se acabou no chão feito um pacote flácido”, “morreu na contramão atrapalhando o tráfego”.

Rogério Duprat, que ficou conhecido como o maestro dos tropica­listas, fez o arranjo de “Construção” em sintonia com a desarticulação proposta pela repetição mecânica dos versos que Chico compôs. Co­mo destaca o jornalista Fernando de Barros e Silva no livro Chico Bu­arque Duprat “parte do violão para ir instalando a cada estrofe uma nova camada de sonoridades, como andaimes, até chegar à balbúrdia sinfônica e à entropia insuportável no final”.

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A mecanicidade dessa balbúrdia ressalta o caráter de objeto que Chico imprime a seu operário anônimo, que vira “pacote” atrapalhan­do o “tráfego”, o “público” e o “sábado”, proparoxítonas que dão a dimensão urbana, política e social da vida breve de um sujeito de “olhos embotados de cimento e lágrima”, a argamassa de sua existên­cia, segundo sustenta Adélia Bezerra de Meneses no livro Desenho Mágico.

Poesia e Política em Chico Buarque

O próprio Chico diria que dispôs as proparoxítonas da canção “como se fossem peças de um jogo num tabuleiro”, intercambiáveis. Segundo o autor, a canção é um jogo de palavras com um sujeito hu­mano no meio. Talvez tenha sido isso o que levou a psicanalista Maria Rita Kehl a escrever que, então, Chico reinventava, com engenho de arquiteto, “o homem da rua, o singelo habitante das cidades, a síntese do Brasil rural, litorâneo e nostálgico”.

Álbum Construção marca a conversão do compositor à música de protesto 
Acabaram a ingenuidade e a esperança de A Banda. Um Chico adulto, exilado, mas nada isolado do mundo, surgia em Construção para deitar as bases de um movimento de protesto que se arti­culava sutil, nas entrelinhas, para não ser calado pela censura. No início da década de 1970, a ditadura militar instalada em 1964 chegava a sua fase mais violenta. Mas Chico nega tal insurgência. “Não passava de experiência for­mal, jogo de tijolos. Na hora em que componho, não há intenção, só emoção”, diria o compositor em entrevista à revista Status.

Em seguida, o autor reconhecia: “Se eu vivesse numa torre de marfim, isolado, talvez saísse um jogo de palavras com algo etéreo no meio, a Patagônia, talvez, que não tem nada a ver com nada. Mas eu não vivo isolado. Gosto de entrar no botequim, jogar sinuca, ouvir con­versa de rua, ir a futebol. Tudo entra na cabeça em tumulto e sai em silêncio. Porém resultado de uma vivência não solitária, que contrabalança o jogo mental e garante o pé no chão”.

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Esse pé no chão não podia ser mais firme. No mesmo álbum que trouxe “Construção”, estava “Deus Lhe Pague”, que retomava a história do operário morto no verso “Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair/ Deus lhe pague”.

A partir daí, a censura aguçou os ouvidos a ponto, por exem­plo, de mudar os versos de “Partido Alto”: “na barriga da miséria, nasci brasileiro” foi trocado por “(…) nasci batuqueiro”, enquanto a “pouca titica”, do verso seguinte, virou “pobre coisica”. Não à toa, anos depois, os primeiros versos de sua “Ópera do Malandro” seriam: “Se tu falas muitas palavras sutis/ E gostas de senhas, sussurros, ardis/ A lei tem ouvidos pra te delatar/ Nas pedras do teu próprio lar”.

Este texto faz parte do especial da Revista Bravo! – 100 canções da música popular brasileira, publicado em 2008

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Capa da edição especial de Bravo!: 100 canções essenciais (Bravo!/acervo rede Abril)
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