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Macunaíma, de Mário de Andrade, é romance mais expressivo do modernismo

Livro alterna estilos literários e funde lendas indígenas com a cultura da metrópole

Por Redação Bravo!
Atualizado em 17 jun 2024, 14h49 - Publicado em 15 jun 2024, 10h00
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Grande Otello em cena de Macunaíma, filme de 1969 de Joaquim Pedro de Andrade (Macunaíma (1969)/reprodução)
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Desde a Semana de 1922, a primeira fase do modernismo brasileiro aguardava sua obra maior. Seria natural que seu principal mentor, o paulistano Mário de Andrade (1893-1945), produzisse o romance mais expressivo do período: Macunaíma — O Herói sem Nenhum Caráter (1928). Estudioso da música e do folclore brasileiro e pensador sério da cultura do país, tinha publicado até então Há uma Gota de Sangue em Cada Poema (1917), Pauliceia Desvairada (1922), A Escrava que não É Isaura (1925), Losango Cáqui (1926), Amar, Verbo Intransitivo (1927) e Clã do Jabuti (1927).

Macunaíma foi escrito como um passatempo de férias. Mário isolou-se com um tio doente e a companhia de alguns livros, entre eles a obra etnográfica do antropólogo alemão Theodor Koch-Grünberg, que havia pesquisado as lendas e os mitos do Norte brasileiro, e o ensaio Retrato do Brasil, escrito por Paulo Prado também em 1928. Tomado de entusiasmo, Mário redigiu em seis dias a obra.

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Trecho da edição especial do livro “Macunaíma”, de Mário de Andrade (Antofágica) (Amazon/divulgação)

O livro anuncia logo na primeira linha a função maior do protagonista: “No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente”. Assim como a obra de Prado, o personagem foi criado para retratar seres lascivos, malandros, preguiçosos e sonhadores. Macunaíma sai da selva amazônica, onde vivia preguiçosamente de comida e sexo, e vai para São Paulo a fim de recuperar a muiraquitã — um talismã que dele foi furtado e se encontra com o mascate peruano Venceslau Pietro Pietra, na verdade o gigante Piaimã. Consegue reavê-la, mas, descuidado, logo a perde novamente. Aborrecido por tanto penar na “terra sem saúde e sem saúva”, é transformado na constelação da Ursa Maior. São muitas as metamorfoses por que passam o protagonista e outros seres folclóricos do livro. O “herói sem nenhum caráter” transforma-se (em príncipe, estrela, francesa etc.) e transforma (São Paulo em um bicho-preguiça de pedra) de acordo com a desfaçatez das conveniências.

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Trecho da edição especial do livro “Macunaíma”, de Mário de Andrade (Antofágica) (Amazon/divulgação)

Além do uso inusitado de lendas indígenas, sobretudo quando Macunaíma se encontra em plena São Paulo desenvolvimentista, outro estranhamento da obra está nos estilos narrativos que o autor mesclou. Segundo o escritor e poeta Haroldo de Campos, Mário misturou os coloquialismos e construiu uma “fantasia estrutural” que rompe com o tempo e espaço dos romances tradicionais. A solenidade do tom épico-lírico, a leveza da crônica cômica e a sem-cerimônia e os atrevimentos da paródia — todos identificados pelo crítico Alfredo Bosi — devem ser vistos em conjunto, como uma das mais ousadas e eficientes experiências formais da primeira geração do modernismo brasileiro.

Livro Macunaíma

A semana de 22

Na guerra contra parnasianos, os primeiros modernistas conciliaram as vanguardas europeias com as raízes brasileiras

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Entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, o Teatro Municipal de São Paulo sediou a Semana de Arte Moderna, uma reu- nião de artistas brasileiros que apresentariam as modernas correntes estéticas, influência direta das vanguardas europeias. Apadrinhada pelo escritor e diplomata Graça Aranha, a Semana levava ao público as tendências na música, literatura e artes plásticas. Contra estes dois últimos gêneros, a reação do público se deu de maneira mais violenta.

Na noite do dia 15, o sarau literário foi recebido com vaias e protestos. Menotti del Picchia discursou sobre o ideário do grupo e o futurismo, atacando o anacrônico parnasianismo; Mário de Andrade leu o ensaio A Escrava que não É Isaura; Ronald de Carvalho, o poema Os Sapos, de Manuel Bandeira; Oswald de Andrade, trechos do romance Os Condenados. Esse era o grupo de frente de uma guerra contra a tradição poética e literária do século 19. As ideias apresentadas nessa noite seriam mais bem sistematizadas em seguida.

Entre os desdobramentos da Semana, que serviu para ancorar em São Paulo o início do movimento modernista, está a revista Klaxon — Mensário de Arte Moderna, que teve nove edições e reuniu textos inéditos e ensaios diversos em que fica clara a dificuldade em conjugar as novas estéticas europeias com as chamadas raízes brasileiras. O Manifesto Pau-Brasil (1924) e o Manifesto Antropofágico (1928), de Oswald, sintetizam, como programa, as linhas gerais dessa primeira fase, em que algumas obras emergem como resultado feliz de renovação literária: além de Macunaíma, são exemplos Cobra Norato (1931), de Raul Bopp, e Martim Cere(1928), de Cassiano Ricardo.

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Este texto faz parte da coleção especial “100 livros essenciais da literatura”, publicada pela Bravo! em 2008

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Bravo! especial: 100 livros essenciais da literatura brasileira (Bravo!/arquivo)
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