Avatar do usuário logado
OLÁ,
Continua após publicidade

Leia um trecho do livro “Nada disso é verdade”, novo romance de Lisa Jewell

A obra que chega neste mês às livrarias oferece uma trama intensa no estilo true crime

Por Redação Bravo!
6 nov 2024, 09h00
capa-lisa-jewell-livro-nada-disso-e-verdade--autora-a-noite-que-ela-desapareceu
 (Intrínseca/divulgação)
Continua após publicidade

O livro Nada Disso é Verdade (Intrínseca), da autora inglesa Lisa Jewell, que chega às livrarias físicas e virtuais a partir deste mês, acompanha a história de Alix Summer, uma podcaster de sucesso que conhece Josie Fair durante a celebração de seus 45 anos.

Apesar de não terem nada em comum além da data de nascimento, o encontro leva a um pedido inesperado: Josie quer que Alix transforme sua vida em um podcast. À medida que Alix explora as histórias de Josie, descobre segredos cada vez mais obscuros. Com uma narrativa que alterna gravações do podcast, o livro oferece uma trama intensa no estilo true crime. A obra fez tanto sucesso que já teve seus direitos audiovisuais adquiridos pela Netflix.

 

lisa-jewell-livro-nada-disso-e-verdade--autora-a-noite-que-ela-desapareceu
A autora Lisa Jewell (Andrew Whitton/divulgação)

Lisa Jewell já publicou 19 livros. Entre os disponíveis em português, estão A Noite em Que Ela Desapareceu, A Família Perfeita, Os Trinta e Poucos Anos de Nadine Kite e Um Amigo de Família.

Leia em primeira mão o primeiro capítulo do lançamento Nada Disso é Verdade.

Continua após a publicidade

Sábado, 8 de junho de 2019

Josie consegue perceber o desconforto do marido quando eles entram
no gastropub iluminado. Já tinha passado por ali umas cem vezes,
e sempre pensava: Não é pra gente. É jovem demais. Ela nunca nem
ouviu falar nos pratos listados na lousa do lado de fora. O que raios
é bottarga? Mas este ano o aniversário dela caiu num sábado, e dessa
vez, quando Walter perguntou o que fariam para comemorar, ela não
disse “Ah, a gente pede qualquer coisa no delivery, abre uma garrafa
de vinho e está ótimo”. Este ano ela pensou na luz quente e convidativa do Lansdowne, no burburinho das conversas, no champanhe
em baldes de gelo nas mesas ao ar livre em dias quentes de verão.
Pensou também no dinheirinho que a avó lhe deixara de herança no
mês passado, então se olhou no espelho, tentando se ver como o tipo
de pessoa que comemora o aniversário em um gastropub no Queen’s
Park, e declarou: “Vamos sair pra jantar.”
— Tudo bem, então — concordou Walter. — Tem algum lugar
em mente?
— O Lansdowne. Você sabe onde é. Na Salusbury Road — respondeu ela.
Ele simplesmente ergueu a sobrancelha e decretou:
— O aniversário é seu. Você que sabe.
Agora ele segura a porta aberta para que Josie passe. Por um momento, ambos fi cam parados ao lado de uma plaquinha que diz: Por favor, aguarde aqui para ser levado à mesa. Espremendo a bolsa de mão contra a barriga, Josie olha ao redor e observa as pessoas comendo e bebendo no início da noite.
— Josie Fair — diz ela ao jovem que surge segurando uma prancheta. — Fiz uma reserva para as sete e meia.
Sorridente, o rapaz olha para ela, depois para Walter e de novo
para ela e diz:
— Mesa para dois, certo?
Eles são conduzidos a uma mesa agradável num canto. Walter se
senta num banco acolchoado, e Josie, numa cadeira de veludo. O
garçom lhes entrega cardápios presos a pranchetas. Horas antes, Josie
havia consultado o menu on-line, porque assim conseguiria pesquisar
no Google os pratos que não conhecesse, então ela já sabe o que vai
comer. A bebida será champanhe. Ela não se importa com o que
Walter vai achar.
Um barulho na entrada do pub chama a atenção de Josie. Uma
mulher segurando um balão que diz Aniversário da Rainha chega no
local. Seu cabelo loiro-platinado tem um corte reto, com muito movimento. Ela está usando uma calça wide leg e uma blusa preta amarrada com laços nas laterais. Sua pele é lisa e macia, e seu sorriso, largo
e contagiante. Logo atrás, entra um grupo de pessoas da mesma faixa
etária. Alguém segura um buquê de flores e outra carrega um punhado
de sacolas de presente chiques.
— Alix Summer! — anuncia a mulher em alto e bom som. —
Mesa para quatorze pessoas.
— Olha só — diz Walter, cutucando Josie de leve. — Outra aniversariante.
Josie faz que sim com a cabeça, desatenta.
— É. Parece que sim.
O grupo segue o garçom até uma mesa em frente à de Josie. Há
três baldes de gelo já postos, cada um contendo duas garrafas de champanhe gelado. Todos se acomodam ruidosamente, debatendo, aos gri tos, sobre quem deve se sentar onde — ninguém quer se sentar ao lado do próprio marido, pelo amor de Deus. A mulher do sorriso largo, Alix Summer, dá instruções e organiza o grupo, enquanto um
homem alto e ruivo, provavelmente o marido da própria, pega o balão
da mão dela e o amarra no espaldar de uma cadeira. Quando todos
estão devidamente acomodados, estouram-se as primeiras garrafas de
champanhe e quatorze taças são erguidas no ar por braços bronzeados,
com pulseiras de ouro e camisas brancas com mangas engomadas. Eles
aproximam as taças, os que ocupam as cadeiras nas extremidades da
mesa se esticam na ponta dos pés para alcançar o outro lado, e todos
brindam em uníssono:
— Viva a Alix! Feliz aniversário!
Josie crava os olhos na mulher e pergunta a Walter:
— Quantos anos você acha que ela tem?
— Nossa. Sei lá. Hoje em dia é difícil dizer. Uns quarenta e poucos, talvez?
Josie assente. Hoje é seu aniversário de quarenta e cinco anos. Mal
consegue acreditar. Um dia ela era jovem e os quarenta e cinco anos
estavam bem distantes, algo impossível de acontecer. Mas chegou rápido, e não era o que ela pensava que seria. Ao encarar Walter, agora
apenas um vestígio do homem que já foi, Josie se pergunta como sua
vida seria se nunca o tivesse conhecido.
Ela tinha treze anos quando se conheceram. Ele era um pouco mais
velho que ela — muito mais velho que ela, na verdade. Na época, todos
ficaram chocados, menos ela. Casou aos dezenove anos, teve seu primeiro fi lho aos vinte e dois, então outro aos vinte e quatro. Josie viveu
tudo em um ritmo acelerado, e agora, em tese, deveria estar no auge, se
preparando para desacelerar e sossegar. Mas a sensação é outra. Nunca
houve um auge, apenas um abismo de traumas no qual ela está presa,
com um eterno nó de pavor entalado na garganta.
Walter está aposentado agora. O cabelo já era, assim como boa
parte da audição e da visão. O apogeu de sua meia-idade está tão dis tante no tempo e tão atolado na loucura de criar fi lhos pequenos que
é quase impossível lembrar como ele era na idade dela.
Ela pede um pão sírio com queijo feta e tomate seco, seguido de
tagliata de atum (“A palavra TAGLIATA deriva do verbo TAGLIARE,
cortar”) com purê de feijão cannellini e uma garrafa de Veuve Clicquot (“O champanhe Yellow Label da Veuve Clicquot é apreciado por suas notas ricas e complexas”). Então, ela pega a mão de Walter, passa o polegar sobre a pele manchada pela idade e pergunta:
— Você está bem?
— Sim, claro. Estou ótimo.
— O que você achou daqui, então?
— É… bom. É legal. Gostei.
Josie abre um sorriso e diz:
— Que bom. Fico feliz.
Ela levanta a taça de champanhe e a estende na direção da de Walter. Ele encosta sua taça na dela num suave tim-tim e diz:
— Feliz aniversário.
Josie sorri enquanto observa Alix Summer e seu numeroso grupo
de amigos: o marido ruivo com o braço apoiado frouxamente nas costas da cadeira; as grandes travessas de carnes e pães sendo trazidas para
a mesa e colocadas na frente dos convidados como se tivessem sido
conjuradas do nada feito um passe de mágica; a barulheira que eles fazem; a maneira como preenchem cada centímetro de espaço com suas
vozes, seus braços, suas mãos e suas palavras. A energia que eles emanam é efervescente, uma irritante e gloriosa sensação de merecimento.
E lá, no meio da algazarra, está Alix Summer, com seu sorriso largo e
os dentes grandes, o cabelo brilhante, a corrente de ouro simples com
algo pendurado que roça suas clavículas toda vez que ela se mexe.
— Será que hoje é o dia certinho do aniversário dela também? —
indaga Josie.
— Talvez — responde Walter. — Mas hoje é sábado, então pode
não ser também.
Josie toca a corrente que usa no pescoço desde os trinta anos; o
presente de aniversário que Walter lhe deu naquele ano. Talvez devesse
adicionar um pingente, pensa ela. Algo reluzente.
Nesse momento, Walter lhe entrega uma caixinha.
— Não é nada de mais. Eu sei que você disse que não queria nada,
mas não acreditei em você. — Ele olha para ela com uma expressão
alegre. Josie retribui com um sorriso, em seguida desembrulha a pequena embalagem e tira um frasco de perfume Ted Baker.
— Que fofo — diz ela. — Muito obrigada. — Ela se inclina e
beija Walter suavemente na bochecha.
Na mesa em frente, Alix Summer abre as sacolas de presentes, lê
cartões de aniversário e agradece aos amigos e familiares. Quando coloca sobre a mesa um cartão com o número 45 impresso, Josie cutuca Walter.
— Olha. Quarenta e cinco. Nós somos gêmeas de aniversário.
No mesmo instante em que as palavras saem de sua boca, Josie é
invadida pela sensação de tristeza que a atormentou durante a maior
parte da vida. Ela nunca encontrou explicação, nunca soube o que
signifi cava. Mas agora sabe.
Signifi ca que ela está errada, que tudo, literalmente tudo, que diz
respeito a ela está errado, e que o tempo para endireitar as coisas está
se esgotando.
Ela vê Alix se levantar e ir em direção ao banheiro, então se põe de
pé e anuncia:
— Vou ao banheiro.
Surpreso, Walter ergue os olhos de seus canapés de presunto de
Parma com cubos de melão, mas não diz nada.
Um pouco depois, no banheiro feminino, os refl exos de Josie e
Alix estão lado a lado no espelho acima das pias.
Josie toma a iniciativa de cumprimentá-la, com uma voz que sai
mais alta e esganiçada do que ela pretendia:
— Oi! Eu sou sua gêmea de aniversário!
— Ah! — exclama Alix com uma expressão imediatamente calorosa e receptiva. — Hoje é seu aniversário também?
— Sim. Quarenta e cinco hoje!
— Sério? Uau! Eu também. Feliz aniversário!
— Pra você também!
— A que horas você nasceu?
— Meu Deus — responde Josie. — Não faço ideia.
— Nem eu.
— Você nasceu perto daqui?
— Sim. No St. Mary’s. E você?
O coração de Josie dispara.
— No St. Mary’s também!
— Uau! — diz Alix de novo. — Isso é assustador.
As pontas dos dedos de Alix vão até o pingente em seu pescoço e
Josie vê que é uma abelha dourada. Ela está prestes a dizer mais alguma coisa sobre a coincidência da data de nascimento quando a porta
do banheiro se abre e uma das amigas de Alix entra.
— Achei você! — berra a amiga, que veste uma calça jeans desbotada, estilo anos 1970, com uma blusa – ombro a ombro e enormes
brincos de argola.
— Zoe! Essa moça aqui é minha gêmea de aniversário! E essa é
minha irmã mais velha, Zoe.
Josie sorri para Zoe.
— Nascemos no mesmo dia e no mesmo hospital.
— Uau! Isso é incrível — comenta Zoe.
Em seguida, Zoe e Alix mudam de assunto e não falam mais
da Grande Coincidência. Imediatamente Josie percebe que acabou ali,
esse estranho momento de conexão, que foi algo efêmero para Alix,
mas por algum motivo foi significativo para Josie, e ela quer agarrá-lo e lhe insuflar vida de novo, mas não consegue. Sabe que precisa
voltar para o marido e para o pão sírio com tomate seco e deixar
Alix voltar para os amigos dela e para a festa. Ao se virar para sair,
Josie emite um silencioso “Tchau então”, e Alix sorri radiante para
ela e diz:
— Parabéns, gêmea de aniversário!
— Pra você também! — retribui Josie.
Mas Alix não a ouve.
Uma da manhã
A cabeça de Alix gira. Doses de tequila slammer à meia-noite. Passou do
ponto. Nathan está se servindo de uísque, e o cheiro faz a cabeça dela
rodopiar numa velocidade ainda maior. A casa está em silêncio. Quando arranjam uma babá cheia de energia, é comum chegarem em casa e
encontrarem as crianças ainda acordadas, inquietas e insuportavelmente
despertas. Às vezes, com a TV ligada no volume máximo. Mas não hoje.
A babá de cinquenta e poucos anos e fala mansa foi embora há trinta
minutos, e a casa está arrumada, ouve-se o zumbido da lava-louça e o
barulho das patas da gata caminhando pelo comprido sofá em direção
a Alix, já ronronando antes mesmo de a mão dela encontrar seu pelo.
Enquanto desprende da calça uma das garras da gata, Alix diz para
Nathan:
— Lembra daquela mulher, a que ficou encarando a nossa mesa…
Então, ela entrou no banheiro comigo. Acontece que hoje também é
o aniversário de quarenta e cinco anos dela. Era por isso que ela não
parava de olhar.
— Ah. Sua gêmea de aniversário — comenta Nathan.
— E ela também nasceu no Hospital St. Mary’s. Engraçado, você
sabe que eu sempre achei que eu tinha uma outra metade? Sempre me
perguntei se minha mãe tinha deixado minha irmã no hospital. Será
que era ela?
Nathan desaba na cama ao lado de Alix e faz seu uísque girar em
volta de um solitário cubo de gelo, daqueles enormes e cilíndricos que
ele faz com água mineral.
— Ela? — diz ele com desdém. — Acho bem improvável.
— Por quê?
— Porque você é deslumbrante, e ela é…
— O quê? — Alix sente uma onda de revolta crescer em seu peito.
Ela adora que Nathan a ache bonita, mas também gostaria que ele fosse capaz de ver beleza em mulheres menos padrão. Criticar a aparência
de outras mulheres faz seu marido parecer superficial e misógino. E
isso, por sua vez, faz com que ela sinta que não gosta dele de verdade.
— Pois eu achei que ela é muito bonita. Tem aqueles olhos que de
tão castanhos são quase pretos, sabe? E aquela cabeleira ondulada. De
qualquer forma, é estranho, não? A ideia de duas pessoas nascerem no
mesmo lugar, ao mesmo tempo.
— Na verdade, não. Provavelmente nasceram outros dez bebês só
naquele dia no St. Mary’s. Talvez até mais.
— Mas conhecer pessoalmente um deles. No dia do meu aniversário…
Agora a gata está bem enrodilhada no colo de Alix. Ela acaricia a
pelagem ao redor do pescoço do animal e fecha os olhos. A sala gira
novamente. Ela abre os olhos, tira a gata do colo e corre para o banheiro no corredor, onde vomita violentamente.

Publicidade