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Construindo uma vilã com Letícia Colin

Atriz fala sobre o sucesso de “Todas as Flores”, que fez barulho no Globoplay e estreia dia 4 de setembro na TV Globo

Por Laís Franklin
4 set 2023, 10h43

“Sempre me interessei muito por vilões. Há uma quebra de expectativas, uma contradição humana muito poderosa. Como alguém tão malvado pode ser tão engraçado e tão carismático ao mesmo tempo?” Esse questionamento da atriz Letícia Colin, durante nossa entrevista, explica parte do sucesso de Vanessa, antagonista interpretada por ela na novela Todas as Flores

A obra, criada em 2022 por João Emanuel Carneiro para o Globoplay, deu início a um formato inovador no setor, apresentando o folhetim em capítulos semanais, divididos em duas temporadas, disponíveis com exclusividade aos assinantes do streaming. A narrativa de 85 episódios esteve entre as concorrentes para ocupar o horário nobre da Globo no ano passado, mas acabou sendo substituída por Travessia, de Gloria Perez — assunto que dividiu opiniões nas redes sociais. Depois de bater recorde de audiência na plataforma, a trama faz sua aguardada estreia na TV aberta em 4 de setembro, ocupando a faixa das 11 da Rede Globo. “Acho que está todo mundo com saudade desses personagens. Estou com vontade de rever Todas as Flores. O público já mostrou que adora ver de novo uma novela que marca a gente, que vira meme, que entra nas nossas conversas, que vira referência de cabelo, que entretém, que emociona. Então, eu estou muito feliz com a possibilidade de mais gente assistir esse projeto”, acredita Letícia.

Letícia Colin em
Letícia Colin em “Todas as Flores”. (Globo/ Fotografia: Estevam Avellar/divulgação)

Um fator é inegável: vilões, especialmente vilãs de novelas, exercem um fascínio especial sobre o público brasileiro. João Emanuel, vale lembrar, é o autor responsável por personagens marcantes no imaginário nacional como Flora (Patricia Pillar), em A Favorita (2008), e Carminha (Adriana Esteves), em Avenida Brasil (2012).

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+ Uma conversa com Adriana Esteves e Maeve Jinkings, protagonistas da série ”Os Outros”, da Globoplay

Assim como suas antecessoras, Vanessa é elitista e preconceituosa, porém carrega consigo uma notável dose de humor que cativa o público. Apesar de tudo, Letícia pôde compartilhar a carga de culpa em Todas as Flores. Afinal, mais valioso do que uma vilã, só mesmo duas. Ao lado da antagonista está Zoé (interpretada por Regina Casé), mãe de Vanessa e Maíra (vivida por Sophie Charlotte), o que intensifica ainda mais a trama.

Letícia Colin e Sophie Charlotte em
(Globo/divulgação)

A fábula tem início com Zoé indo atrás de Maíra, uma jovem com deficiência visual que passou a vida toda escondida no interior com o pai, Rivaldo (Chico Diaz). Quando as filhas ainda eram crianças, Rivaldo fugiu com Maíra, deixando Zoé para trás, justificando essa decisão como uma maneira de proteger a filha das supostas maldades e abusos da matriarca. A história se desenrola a modo Cinderela logo no primeiro capítulo. O pai morre, e Zoé leva a filha para viver com ela e com Vanessa, no Rio de Janeiro. O que inicialmente parece ser um gesto de afeto e saudade entre mãe e filha é rapidamente desfeito pelas reais intenções de Zoé. Quanto ao desfecho, bem, aí entram os spoilers. 

Norman Bates (personagem de Alfred Hitchcock, em Psicose), vilões da Disney, como Malévola (do filme A Bela Adormecida), e Scar (da animação O Rei Leão) , e até figuras reais da política brasileira, foram algumas das inspirações de Letícia Colin na construção de Vanessa. “Geralmente, essas personagens são extremamente egoístas, o que lhes permite agir com total liberdade e sem remorso. Nada mais importa além de suas próprias realizações pessoais”, explica Letícia. 

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Um dos pontos altos da novela é a abordagem do capacitismo, ou seja, a discriminação contra pessoas com deficiência. Vanessa, em sua relação com a irmã, é um prato cheio de discursos que devem ser rejeitados. Letícia torce para que as maldades de Vanessa surtam o efeito contrário e que se transformem em uma crítica social daquilo que não deve mais ser tolerado. “Acho que essa é uma representação em um momento crucial, à medida que a sociedade começa a refletir mais sobre o significado da inclusão e busca uma mudança de mentalidade. Até recentemente, as pessoas muitas vezes não percebiam que suas atitudes eram formas de bullying ou gestos capacitistas”, pontua. 

Letícia Colin em
(Globo/divulgação)

Mirando a coerência, a produção da novela também buscou tornar seu formato mais inclusivo, aderindo à comunicação em Libras durante os episódios. Essa é a primeira produção da TV Globo a adotar tal medida.

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Em Todas as Flores, Letícia é convincente o bastante para fazer o público acreditar que ela, do lado de cá das telas, também é odiável. Mas longe disso, ela tem um jeito tranquilo e gentil. Mais de um ano após as filmagens, a atriz segue agora uma rotina diferente. Ela esteve envolvida em outro lançamento importante neste ano, o filme A Porta ao Lado, dirigido por Júlia Rezende, e, agora, aproveita o intervalo entre trabalhos para dedicar mais atenção à sua vida pessoal. Durante a entrevista por telefone, ela cuida de seu filho, Uri, de 3 anos, que está ao seu lado, tentando entender o que sua mãe está fazendo ao responder tantas perguntas sobre pessoas que nem sequer existem.

Letícia Colin
(Globo/divulgação)

+ “A Porta ao Lado”, filme de Julia Rezende aborda os conflitos de dois casais vizinhos, que seguem formatos de relacionamentos distintos

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Para Letícia, atuar em uma obra que aborda temas como a inclusão de pessoas com deficiência foi crucial para que refletisse sobre sua posição, sobre seus privilégios e também sobre a necessidade de tornar os conteúdos dos quais faz parte mais acessíveis. “Nós, enquanto sociedade, temos a responsabilidade de oferecer cultura para todas as pessoas”, argumenta.

Hoje, mais do que nunca, a atriz sente vontade e responsabilidade de levantar questões que considera urgentes. Recentemente, por exemplo, a artista celebrou, em entrevista ao canal GloboNews, a derrubada, pelo STF, do uso da tese de legítima defesa da honra, um argumento jurídico agora considerado ilegal, que era usado para justificar um crime passional sob a alegação de que a honra do agressor havia sido desafiada anteriormente pela vítima. Essa tese era frequentemente invocada pela defesa em casos de violência de gênero ou feminicídio, reforçando estereótipos e minimizando a gravidade da agressão.

Letícia Colin em
(Globo/divulgação)

“Sempre tive esse desejo de me posicionar, mas à medida que avançava em minha carreira de atriz, compreendi cada vez mais a força disso como agente político e social, especialmente nas redes sociais. É importante falar de coisas triviais. Mas se não ocuparmos esse espaço com conteúdos que promovam a expansão dos direitos das minorias e combatam preconceitos, nada faz muito sentido”, conclui.

 

 

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