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OLÁ,

Um papo com Isabela Boscov sobre cinema, Oscar… e memes

Se tem uma opinião que importa sobre cinema é dela, que desde 2015 comanda um canal no Youtube comentando com graça e conhecimento filmes de todos os tipos

Por Humberto Maruchel
10 mar 2023, 00h15
colagem da crítica Isabela Boscov e os filmes indicados ao oscar de melhor filme em 2023
 (Redação/Bravo)
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Isabela Boscov é um espécie de autoridade, mas uma que atrai muita confiança e carinho. Para quem ainda não a conhece, ela é uma jornalista crítica de cinema, que desde 2015 comanda um canal especializado em cinema no YouTube. São quase 700 mil seguidores apenas nesta plataforma, que acompanham as opiniões e resenhas da jornalista sobre títulos que vão de séries mainstream, como The Last of Us, até obras mais intimistas como A Baleia, de Darren Aronofsky. Todos com o mesmo comprometimento, clareza e espontaneidade. Assistir a um de seus vídeos é um tipo de entretenimento em si. Nos dias atuais, quando o assunto é cinema, a opinião de Isabela é uma das mais valorizadas pelo público.

Na seção de comentários de seu canal, um seguidor questiona: “Vocês já agradeceram hoje por viverem na mesma época que a Isabela Boscov?”. Essa mesma frase (ou pensamento) foi curtida por outras 2 mil pessoas. Esse é, afinal, um critério que parece importar na contemporaneidade.

Vale dizer que a relação da jornalista com o cinema não nasceu do dia para noite. Seria mais correto dizer que nasceu com ela. Desde menina, ela acompanhava os pais nos cinemas, numa época em que havia muitas salas de bairro, com sessões a custo de bala. Já na juventude, se formou em Rádio e TV, na USP, mas iniciou cedo a carreira no Jornalismo. Cobriu temas do cotidiano, ciência e trabalhou em jornais como Folha da Tarde e Folha de S.Paulo e para revista Veja. No fim da década de 1990, foi convidada para dirigir a revista SET, a mais importante publicação de cinema até então. A ideia de criar um canal no YouTube surgiu no seu horizonte muitos anos depois, num momento em que fazia mais sentido dedicar energia na produção conteúdos em vídeo do que texto, diante dos novos hábitos. Em certo momento, o público mais jovem da internet descobriu Isabela, e passou a transformá-la em memes, comentando desde filmes até as linhas do metrô de São Paulo. Então, mais e mais curiosos foram atrás de descobrir quem era aquela crítica e muitos se apaixonaram.

Convidamos Isabela para comentar sobre a premiação do Oscar deste ano, mas também conhecer um pouco mais sobre sua história.

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Isabela, a ideia aqui é conversar sobre cinema, sobre o Oscar, mas também conhecer um pouco da sua trajetória. Conte um pouco de como a sua história se entrelaça com o cinema.
Provavelmente [o interesse pelo cinema] nasceu junto comigo. Eu não saberia nem te dizer qual o momento em que me dei conta da existência do cinema porque acho que ele sempre fez parte da minha vida e da dos meus pais. O cinema era um programa muito popular, era muito barato e tinha muitos cinemas de bairro. Era muito fácil frequentar, algo frequente na vida das pessoas. Fazia parte do hábito familiar. A televisão ainda não era tão preponderante quanto hoje. Devo ter ido no colo da minha mãe no cinema várias vezes. E sempre vimos muito filme em casa. Hoje em dia, é um programa muito mais caro do que costumava ser.

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Nunca fez parte de um plano trabalhar com algo relacionado ao cinema. Eu fiz comunicação porque era a coisa que mais tinha a ver comigo. Na época USP, eu fiz Rádio e TV. Nunca cheguei a trabalhar de fato com rádio e TV. Por umas e outras, fui parar no jornalismo e ali fiquei. Mas demorou bastante para eu me dedicar especificamente ao cinema. Só virou uma dedicação exclusiva de caso quando eu fui convidada para dirigir a revista SET.

colagem com imagem do filme Elvis
(colagem com imagem do arquivo pessoal de Isabela Boscov/Redação Bravo!)

Você lembra quais filmes que mais te marcaram na infância?
Nossa, tantos filmes. Havia muitos cinemas de bairro e cinemas em cidades menores. Por exemplo, quando a gente ia passar férias em Cabo Frio, lá tinha uma sala de cinema. Esse tipo de cinema rodava programação todo o dia. Eles pegavam o filme que tivesse passando por ali, o filme entrava em cartaz, ficava um dia, no dia seguinte mudava. Ia desde O Gordo e o Magro até faroestes com John Wayne, tudo e qualquer coisa passava.

Era muito divertido porque era uma formação totalmente aleatória que eles nos proporcionavam. Com 7 anos fui com uma amiga ver Ben Hur. Eu saí completamente vidrada. Era uma formação aleatória, mas era, ao mesmo tempo, bastante abrangente.

Quando cheguei na adolescência, São Paulo tinha muito cine-clube e muito cinema de arte. Muito mais do que hoje em dia. Então você tinha ciclo [Ingmar] Bergman, ciclo [Jean-Luc] Godard, ciclo [Luis] Buñuel. Você conseguia acompanhar uma parte relevante do trabalho de um cineasta no espaço de duas semanas. Era uma coisa que faz muita falta hoje em dia, porque o streaming não distribui esse tipo de título. Dificilmente, você vai achar [Andrei] Tarkovski no streaming. Infelizmente, isso se perdeu.

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“Acho que cada filme é um mundo em si. Enquanto você está no cinema, no escuro assistindo a um filme, aquele é o mundo que você está habitando. Pode parecer uma colocação um pouco subjetiva, mas do ponto de vista psicológico, você é aprisionado num mundo que não é seu. Quanto mais você se abre para o cinema, para diferentes tipos de cinema, mais vasta é a sua experiência, que pode não ser real de fato, mas enquanto você está vivendo ela, ela tem todos os dados de realidade que você poderia esperar”

Isabela Boscov

Você falou sobre ter ido assistir Ben Hur no cinema e eu me lembrei quando assisti Titanic, ainda muito pequeno, na tela grande, com os meus pais. Foram três horas de deslumbramento, sem distrações, de um filme que demanda atenção, mais do que se pode exigir de uma criança tão pequena.
Quando você é muito novo, tudo causa muito impacto. As coisas calam muito forte. É muito mais fácil você ter uma lembrança total de um filme que você viu aos 8 anos que te marcou muito do que um filme muito bacana que você viu ano passado.

As experiências são todas muito impactantes e a gente fica com tudo muito a flor da pele quando a gente é pequeno. Eu acho uma maneira genial de começar uma relação com qualquer coisa, com literatura, com cinema, nessa idade, porque você é uma esponja, tudo te impressiona.

colagem com imagem do filme Women talking
(colagem com imagem do arquivo pessoal de Isabela Boscov/Redação Bravo!)

O que o cinema representa para você?
Acho que cada filme é um mundo em si. Enquanto você está no cinema, no escuro assistindo a um filme, aquele é o mundo que você está habitando. Pode parecer uma colocação um pouco subjetiva, mas do ponto de vista psicológico, você é aprisionado num mundo que não é seu. Quanto mais você se abre para o cinema, para diferentes tipos de cinema, mais vasta é a sua experiência, que pode não ser real de fato, mas enquanto você está vivendo ela, ela tem todos os dados de realidade que você poderia esperar.

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Por isso que acho uma pena hoje em dia, por circunstâncias várias, o cinema ter se reduzido tanto ao filme de super produção, filme de fantasia, de super-herói.

Assistir a um filme no streaming é uma experiência totalmente diferente. A sua sujeição ao que você está vendo é muito menor do que quando você está na sala de cinema. Por outro lado, tem um dado que é muito democrático, o fato de facilitar o acesso aos filmes para pessoas que moram em lugares em que cinemas não estão disponíveis.

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Você entrou numa questão muito importante, o debate sobre a crise que o cinema atravessa atualmente. Que tipo de leitura você faz desse momento?
O cinema virou um programa caríssimo. O fato de você pagar o que equivale a um ingresso de cinema, ou menos do que isso, em um streaming que te dá direito a ver infinitos filmes e séries durante um mês é importante, especialmente num país como o Brasil.

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Um retorno que eu tenho com muita frequência e muita ênfase nos comentários dos seguidores do canal é que muitos gostariam de ir ao cinema, mas não tem salas em suas cidades. O que implica ter que pegar um ônibus, ou pegar o carro, gastar mais dinheiro e mais tempo. Se você vai em duas pessoas ou em família, por exemplo, ver um filme que também é para crianças ou para pré-adolescentes, sai uma fortuna. Você vai gastar mais de R$ 200. Pouca gente tem orçamento para isso.

Acho que as pessoas escolhem muito o filme que vão ver no cinema, por ser o que a gente chama de um filme de tela grande, ou seja, um filme muito apoiado no visual e que você sabe que vai ser importante ter essa experiência na tela grande. Filmes que a pessoa tem mais ou menos a certeza que vão proporcionar prazer para elas. Ninguém quer apostar no incerto. Quando o ingresso custava dois cruzeiros, nem lembro qual era a moeda quando eu era pequena, um pequeno valor cobria duas, três idas ao cinema com direito a comprar balas drops.

Hoje em dia, é impossível. Essa é uma parte da relação que mudou. A outra tem a ver com as condições sociais em que a gente vive e o projeto urbanístico que resultou disso. O cinema saiu da rua e foi para o shopping, que é um lugar de consumo, onde tudo é cobrado e tudo tem um preço mais alto.

Recentemente, vimos o caso do Cinema Itaú, o Espaço Anexo, da Rua Augusta.
Isso. E o Belas Artes também. A cada cinco, seis anos começa de novo a epopeia do Belas Artes. Cada vez que vence um contrato de patrocínio deles, tem que começar tudo de novo. O cinema de rua praticamente deixou de existir. Tem uns cinemas no Centro que ainda passam alguns filmes. A maioria dos outros viraram igrejas, estacionamentos. O projeto urbanístico mudou muito.

“É um tremendo privilégio trabalhar com cinema e conseguir viver disso como eu consegui. Mas esse é o reverso da medalha: você não consegue mais assistir nada sem pensar no que você vai fazer com aquilo. Eu não consigo mais assistir nada sem compromisso nenhum”

Isabela Boscov
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Isabela, como surgiu a ideia de criar o canal?
Eu comecei a resenhar em vídeo em 2008 para o site da Veja. Foi uma coisa com a qual eu me senti imediatamente à vontade. É muito diferente da resenha impressa, em que a sua argumentação tem que estar muito mais articulada. Procurei preservar a estrutura, a articulação da resenha impressa, mas de um jeito muito mais informal, muito mais espontâneo, que me parecia combinar melhor com a comunicação em vídeo.

Quando deixei de ser da equipe, em 2015, decidi fazer o canal, mas comecei em banho-maria. Naquela época, as pessoas estavam muito interessadas em blog. Então estava colocando toda a força no blog. Mas de uns anos para cá, ficou claro que o interesse tinha mudado completamente. De repente, as pessoas não estavam mais nem aí para o blog, o que elas queriam era vídeo. Daí passei a dedicar mais tempo na produção de vídeos do que textos.

colagem com imagem do filme Everything, everywhere, all at once
(colagem com imagem do arquivo pessoal de Isabela Boscov/Redação Bravo!)

Em que momento houve a virada no canal, em que mais pessoas passaram a conhecê-la?
Então veio o negócio do meme que eu jamais saberia explicar o que aconteceu, mas aconteceu, e o canal cresceu muito por conta disso. Cresceu e mudou muito o perfil demográfico dele. O público ficou muito mais jovem do que era antes.

Nunca me ocorreu que eu fosse uma pessoa “memezável”, mas aparentemente eu sou. Muita gente veio pelo meme, nem todo mundo ficou, mas uma parte do público permaneceu. E isso fez com que o canal crescesse.

Sempre foi um crescimento orgânico, a gente nunca impulsionou nada. Por isso é um crescimento mais lento, mais sofrido, mais trabalhoso, mas eu acho até mais compensador, ao trazer um retrato mais fiel de quem você está chegando e onde você está chegando.

Me veio uma curiosidade: você tem noção de quantos filmes assiste por semana?
Com a entrada das séries na jogada, mudou um pouco o balanço. Antes eram dois, três filmes por dia. Agora é um ou dois filmes por dia e o resto do tempo com séries. As séries consomem muito mais tempo, evidentemente.

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E no seu tempo de descanso, você dá um tempo dos filmes?
Não, daí eu procuro ver coisas vivas e tridimensionais. Gosto de sair com os meus amigos ou convidar eles para virem em casa, encontrar as minhas irmãs, tomar café com elas e as minhas sobrinhas. Prefiro outro tipo de programa, não vou mentir para você. É um tremendo privilégio trabalhar com cinema e conseguir viver disso como eu consegui. Mas esse é o reverso da medalha: você não consegue mais assistir nada sem pensar no que você vai fazer com aquilo. Eu não consigo mais assistir nada sem compromisso nenhum.

Você se lembra do último filme ou série que você assistiu que conseguiu te fazer esquecer de que aquilo precisaria ser transformado em alguma outra coisa?
Tem muitas coisas que enquanto você está assistindo, o prazer é tão grande que você não pensa nisso. Neste ano, Os Banshees de Inisherin e Tár foram sem paralelos. Os dois filmes estão comigo até agora. No quesito diversão, eu me diverti horrores com Top Gun: Maverick.

Aqui entramos no assunto sobre o Oscar. Qual é a sua opinião para este ano? O que achou da lista de indicados nas principais categorias?
Acho que foi um ano de bons filmes. São filmes que ocupam este espaço porque dão audiência, ou foram feitos por uma pessoa muito querida [na Academia] e todo mundo quer prestigiar. Isso é uma característica da indústria e se reflete nas escolhas. Acho que tem essa divisão imensa agora entre o cinema adulto, o cinema de autor e o cinema que dá bilheteria, que faz com que o Oscar não tenha muito apelo, não tenha muita conexão mais com as últimas gerações.

Por que você acha que já não tem tanto apelo?
Hoje em dia, as pessoas não veem mais a maioria dos filmes que estão concorrendo. Antes, a maioria desses filmes teria chegado no cinema e feito uma carreira muito grande. No entanto, pouquíssimas pessoas foram ver esses filmes no cinema ou sequer viram qualquer um deles. Já não tem esse elemento de torcida que tinha. A frequência do cinema mudou muito.

“Hoje em dia, as pessoas não veem mais a maioria dos filmes que estão concorrendo. Antes, a maioria desses filmes teria chegado no cinema e feito uma carreira muito grande. No entanto, pouquíssimas pessoas foram ver esses filmes no cinema ou sequer viram qualquer um deles”

Isabela Boscov

Quem você acha que deve levar os principais prêmios, considerando melhor filme, direção e atuação?
A julgar pelas últimas premiações, que são aquelas das categorias profissionais, sindicato dos produtores, dos diretores, dos atores, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo está na frente. No entanto, eu não descarto a possibilidade de dar uma virada de última hora. Se isso acontecer, eu imagino que saia Top Gun ou Os Banshees de Inisherin. Banshees está com uma campanha muito forte. Top Gun é sempre uma possibilidade porque é um filme da indústria e ninguém representou tão bem as possibilidades da indústria, do que ela ainda consegue alcançar, do que Tom Cruise.

colagem com imagem do filme Nada Novo no front
(colagem com imagem do arquivo pessoal de Isabela Boscov/Redação Bravo!)

Você acha que tem algum filme injustiçado, que merecia entrar como finalista e ficou de fora?
Vários. Não! Não Olhe!, de Jordan Peele, por mim, teria entrado. Eu acharia até um lugar para Pearl, de Ti West na lista, mas é o tipo de filme que a Academia, com a visão de túnel dela, não consegue enxergar como um candidato. E Close, de Lukas Dhont, com certeza.

E em atuação?
Para atriz, vai ser aquela briga boa entre a Michelle Yeoh e a Cate Blanchett. Eu amo a Michelle, acho que ela está incrível no filme , mas, pessoalmente, acho que a Cate está na frente de qualquer coisa que eu tenha visto nesse ano em quesito interpretação. Para ator, aqui pode dar qualquer coisa. Temos três favoritos: Austin Butler (Elvis), Colin Farrell (Os Banshees de Inisherin) e Brendan Fraser (A Baleia).

O Brendan Fraser é o favorito das apostas. Não estou fazendo nenhum julgamento de mérito, mas parece que elas caminham para o lado dele. Embora, seja muito mais complicado um ator levar o prêmio quando o filme em si não está indicado como melhor filme. Parece haver uma correlação no sistema de votação da Academia. A cinebiografia, por outro lado, é um gênero que na votação costuma impulsionar muito a candidatura de um ator, caso em que o Austin sairia favorecido.

Tem duas coisas trabalhando para o Austin e para o Brendan. Para o Brendan, por toda sua história pessoal, esse renascimento, para além da interpretação que é ótima. A Academia adora uma história de segunda chance porque a coisa que eles mais têm medo no mundo é do fracasso e do esquecimento. Portanto, ficam felizes em lembrar que os retornos são possíveis.

Tem essa história do Austin Butler também, de toda sua preparação para o papel, pelo fato de ser o Elvis, e ser alguém que está despontando, que também é outra coisa que eles adoram. Na mitologia deles, essas duas coisas são muito atraentes: o partido obscuridade para fama absoluta e o renascer depois do que parece ser um fracasso irreversível.

E coadjuvantes?
Eu não tenho dúvida de que o prêmio de ator coadjuvante desse ano vai para Ke Huy Quan (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo), que além de ter feito um trabalho lindo no filme e ter feito todos os personagens que ele não teve oportunidade de fazer na carreira num mesmo filme, foi a pessoa mais fofa do ano. É o cara que foi ator mirim, para qual todas as oportunidades sumiram porque nos 1980 jovens atores de origem asiática não tinham muitas oportunidades. Ele precisou fazer outra coisa, foi trabalhar nos bastidores e de repente ressurge. Eles se encantam com isso.

colagem com imagem do filme avatar - o caminho da água
(colagem com imagem do arquivo pessoal de Isabela Boscov/Redação Bravo!)

Nos últimos anos, a desconfiança em relação ao Oscar tem só aumentado, seja em termos de desequilíbrio de gênero. E também numa quase total falta de artistas negros. Especialmente, neste ano, apesar de as discussões e todo o processo de mudança para saldar essa conta. Para você, quais mudanças a Academia precisa adotar?
Eles vivem fazendo ajustes. Em uma década dobrou o número de votantes. A maioria deles convidados entre profissionais de outros países, não de língua inglesa. É uma tentativa de diversificar, mas eu acho que o corpo da Academia ainda é um lugar muito suscetível ao que todo mundo está falando, àquilo que todos estão hypando. A gente tem que entender que não é um prêmio de crítica, é um prêmio de profissionais da indústria. Esse é o prisma pelo qual eles veem as coisas.

Eles não necessariamente estão votando no melhor filme, eles estão votando no que está mais falado, no que informaram para eles que é o mais interessante. Não são pessoas que vão procurar filmes de outras partes do mundo para ver sistematicamente. Como coletivo, eles não são curiosos, em que pesem todas as diferenças individuais entre os membros da Academia. Então acho que esse sempre vai ser um problema, a gente sempre vai se decepcionar com o fato de, por exemplo, terror e comédia serem coisas que eles não conseguem considerar porque acham que não tem prestígio suficiente e eles querem parecer um prêmio de prestígio.

Eles sempre vão falar mais do filme que está sendo mais falado. Eu acho que Triângulo da Tristeza (de Ruben Östlund), por exemplo, não deveria estar indicado a melhor filme. Acho que Close deveria estar. Mas Triângulo da Tristeza levou a Palma de Ouro em Cannes e Close levou o grande prêmio do júri (também em Cannes). É um filme menor e mais íntimo. Não! Não Olhe!, acho que não está porque boa parte não deve ter sacado muito o filme. Por outro lado, devem pensar: “Já levantamos muito a bola do Jordan Peele nos últimos anos, neste ano é melhor a gente não levantar tanto”.

Não interessa muito ou não interessa o suficiente o mérito do filme em si, do trabalho em si. Tem mil outras considerações que rodam na cabeça deles sobre cada candidato.

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Ficou faltando falar de atriz coadjuvante e direção.
Para atriz coadjuvante, Angela Basset está despontando como favorita na votação até o momento. Mas devo dizer que o trabalho da Hong Chau em A Baleia, e da Kerry Condon em Os Banshees de Inisherin são uma coisa maravilhosa de ver. Eu gostaria muito que tivessem achado um lugar aqui para Dolly De Leon de Triângulo da Tristeza, que é a personagem que ganha protagonismo no último ato do filme. Eu achei ela uma atriz absolutamente sensacional.

Por favor, que ninguém use nenhuma coisa que eu estou dizendo para bolão porque eu não quero ser responsabilizada.

Em direção, tudo indica que os Daniels (Daniel Kwan e Daniel Scheinert) vão ganhar por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, mas Martin McDonagh (Os Banshees de Inisherin) e Steven Spielberg (Os Fabelmans) não estão fora do páreo.

Durante muito tempo foi mantida essa visão de que a crítica especializada de cinema, ou mesmo da música, deve ser feita a partir do olhar masculino. Os comentários são feitos sempre por homens, então gostaria de te perguntar se essa é uma questão com a qual você se vê às voltas.
Eu nunca entendi por que os críticos sempre existiram em maior quantidade do que as críticas. Não sei dizer, além do sexismo institucional e tudo mais, quais outros fatores contribuíram para isso. Hoje em dia tem mais mulheres na profissão. Mas vejo que tem uma preponderância muito grande [masculina] porque esses filmes de fandom atraem um público muito masculino, com um olhar masculino.

Obviamente, acho interessante que haja pelo menos um contraponto. Mulheres também vão ao cinema, assinam streaming, assistem séries. E nem sempre o fato do gênero, seja qual for do gênero com que a pessoa se identifica, se é que ela se identifica com algum, vai ser um fator decisivo na apreciação de uma obra de arte ou de entretenimento. Mas acho que em nome de sermos muitas e sermos bastante diferentes, é legal terem muitas pessoas diferentes contribuindo também.

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