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OLÁ,

“A Ilha de Bergman” reescreve o feminino das obras do diretor sueco

Mia Hansen-Løve cria história em torno da ilha de Fårö, local onde Ingmar Bergman gravou inúmeros filmes

Por Paula Jacob
1 fev 2023, 10h45
A ilha de Bergman
 (Mia Hansen-Løve/divulgação)
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Imagine um lugar bem longe daqui, cheio de árvores verdes no verão e rodeado por águas cristalinas. Um ambiente onde vivem poucos e a tranquilidade da existência se faz transbordar pelos poros. Assim é a ilha de Fårö, na Suécia: passaria batido na sua rota de viagem nórdica, se não fosse pelo mero detalhe de ter sido palco dos últimos anos e dos bons filmes de Ingmar Bergman. Pois é lá que a francesa Mia Hansen-Løve decidiu gravar o seu precioso A Ilha de Bergman (2021), que entrou há pouco no catálogo da MUBI.

Aqui, acompanhamos o casal de cineastas Chris (Vicky Krieps) e Tony (Tim Roth) numa viagem à trabalho – ele foi convidado para dar palestras e exibir seus filmes numa mostra local. De cara, é compreensível a metalinguagem que a diretora indica – mas ela não se basta nos cineastas querendo visitar a vida de outro cineasta. Mia coloca um casal com pequenas ruínas de relacionamento para dormir, literalmente, na cama do filme Cenas de um Casamento (1973); também faz seus personagens percorrerem a costa-cenário de O Sétimo Selo (1957) e as praias de Persona (1966) – entre outras locações já vistas nos filmes do sueco. Mas ela não faz isso de forma pedante ou saudosista, ela cria uma espécie de reescrita feminina em solo onde muitas personagens foram fetichizadas em suas loucuras e devaneios. É uma forma de ressignificar a história das mulheres de Bergman – que foram muitas.

A ilha de Bergman
(Mia Hansen-Løve/divulgação)

A diferença de idade entre o casal é notável e os momentos de carreira, por consequência, também. Enquanto ele já tem uma obra consistente, ela luta para conseguir desenrolar uma nova história depois do aparente sucesso de seu primeiro longa. Enquanto ele prefere guardar a sete chaves toda e qualquer ideia, ela prefere compartilhar para ouvir feedbacks do companheiro.

É por meio de Chris que ela vai nos guiando por esses cenários externos e internos da experiência da mulher no mundo. Desde cenas muito básicas, como um escovar de dentes de camiseta e calcinha, que se distancia da objetificação (infelizmente) natural do male gaze visto em Bergman, até as mais explícitas, tal qual uma melancolia consistente diante da falta de inspiração para seguir a sua ideia na ficção.

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Interessante notar como a diretora sutilmente nos dá indícios de uma vontade de escape de sua protagonista, sem colocar as questões de saúde mental como centro da narrativa e muito menos de uma forma também objetificada na ideia de “mulher-vulnerável”, bastante recorrente no olhar de Bergman. O que destaca também o trabalho do diretor de fotografia Denis Lenoir, colaborador de Mia em O Que Está Por Vir (2016). A câmera se torna um mero detalhe diante da beleza de viver, fazendo com que as imagens sejam francesas no seu coração invisível, mas apaixonante nas cores bucólicas de um verão prazeroso

A ilha de Bergman
(Mia Hansen-Løve/divulgação)

Isso reforça a delicadeza ao tratar da dor, melancolia, sonhos e desejo sem cair nos rasos pré-conceitos diante da devastação feminina. Em uma das cenas mais brilhantes, Chris comenta a angústia que sente ao ver Bergman: “Pelo menos, ao assistir filmes de terror, eu sei que aquilo não vai acontecer comigo; mas com os filmes dele não”.

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Antes que soe como um ataque, um aviso: A Ilha de Bergman não é uma provocação vazia pautada na ideia de “lacre” das redes sociais. O que Mia Hansen-Løve faz é criar uma espécie de homenagem crítica ao Ingmar Bergman, de forma inteligente e apaixonante, nas entrelinhas, em momentos de silêncio, nas palavras escolhidas a dedo para os diálogos. Afinal, os filmes dele são excelentes, em grande parte, mas nem por isso não podem ser questionados em algum lugar.

A ilha de Bergman
(Mia Hansen-Løve/divulgação)

Um filme dentro de outro

Após a introdução na dinâmica do casal Chris e Tony, com alguns desencontros naturais de um aparente casamento de longa data, Mia Hansen-Løve cava mais uma camada metalinguística. Na tentativa de escutar do marido um direcionamento qualquer, a sua protagonista compartilha com nós, espectadores, as suas confidências. Mais uma vez, sinalizando o entendimento profundo do que é a experiência feminina.

Chris então passa a contar a narrativa que pensou para a sua história, numa tarde ensolarada, durante um passeio a dois. Nesse momento, os personagens mudam e quem protagoniza esse filme dentro de outro é Amy (Mia Wasikowska) e Joseph (Anders Danielsen Lie). Eles foram um casal super apaixonado na adolescência, mas percorreram caminhos diferentes durante a faculdade, porém sem nunca deixar que essa presença, mesmo que na memória, se diluísse por completo.

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A ilha de Bergman
(Mia Hansen-Løve/divulgação)

Um na vida do outro, um na mente do outro, eles se reencontram anos depois durante uma viagem para a ilha de Fårö: uma amiga em comum vai se casar com um sueco e escolhem a cidade natal dele para realizar a cerimônia. Um final de semana de mar, vinhos e sentimentos antigos mal elaborados pela frente. Eles se (re)apaixonam, mas seus momentos de vida estão em cantos opostos, e o esforço que Amy está disposta a fazer para o afeto acontecer é muito maior que o de Joseph – de novo, a experiência da mulher ressurge (e ela foi embora em algum momento?).

Da mesma forma que Fårö vira um ambiente natural para o pano de fundo do filme de Mia, a ilha se consagra como cenário ideal de um amor impossível, deslocado de um continente onde a vida normal acontece. Nas entranhas desse relato, também encontramos pistas da própria Chris, porque separar criador de criatura, sabemos, é impossível – e o mesmo acontece com Bergman. Uma fusão tão intensa que, por vezes, nos faz questionar o que é realidade e o que é ficção, provocação motivadora da arte de fazer filmes.

A ilha de Bergman

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