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OLÁ,

Beth Carvalho por si mesma

O filme que a sambista gostaria de ter feito expõe preciosidades capazes de aflorar muito orgulho no público

Por João Victor Guimarães
24 fev 2023, 09h59
Beth carvalho em cena do documentário Andança
 (Ivan Klingen/divulgação)
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Quando perguntada por um repórter o que faltava para a música brasileira ser mais respeitada, Beth Carvalho respondeu: “Brasilidade!”. Insatisfeito, o repórter indagou: “E o que é isso?”. Beth então elaborou a melhor significação possível: “Negritude”. Naturalmente, essa resposta pode ser lida apenas como bonita, se tanto. Porém, se tratando de uma pessoa branca que escalou aos mais altos postos do samba brasileiro, precisamos entender que essa resposta é de incomensurável importância. Aliada com as atitudes e companhias da Beth, essa afirmação sintetiza o maior legado da sua vida e carreira: carinho e respeito verdadeiramente conscientes.

Beth Carvalho em cena do documentário Andança
(Andança/divulgação)

O documentário Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho traça um magnífico retrato dessas e de outras camadas da artista. E o faz de forma que encanta qualquer fã: revelando a intimidade dela. Não a intimidade doméstica, porque essa não nos cabe, mas sim a intimidade que se revela no âmago de cada frame e onda dos registros feitos pela própria Beth. Quem já teve uma câmera na mão sabe o quanto aquilo que registramos e como registramos revela sobre nós mesmos. Essa intimidade é uma preciosidade que nos surpreende pela forma como é apresentada, não somente pelo conteúdo. E o filme transmite a sensação de que a fartura, em número e qualidade, dominou o documentário. Mas como se percebe isso?

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O filme é 99% composto de imagens de arquivo em tom intimista que agem como fotogramas da profunda e digníssima relação que Beth Carvalho estabeleceu com o samba. Sendo ela mesma a autora de parcela significativa dos registros, o público não consegue, nem deve querer escapar da sensação de que Andança é o filme que Beth Carvalho gostaria que fosse feito. Isso porque ela cumpriu muito bem as ordens da sua consciência política e histórica e logo percebeu a importância dos registros para evitar o apagamento de um momento muito específico do samba e do Brasil. Beth sabia: deve-se fazer o necessário sempre para evitar o esquecimento daquilo que pertence às parcelas ainda hoje subvalorizadas da sociedade brasileira. Assistindo ao filme fica explícito que a obra da Beth Carvalho tem profundas bases na valorização e construção, não apenas na exportação, da cultura preta e periférica. Andança alcança tudo isso.

Beth Carvalho com Nelson do cavaquinho em cena do documentário Andança
(Ivan Klingen/divulgação)
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Agora, enquanto obra cinematográfica, o documentário tem pontos cruciais. O primeiro é o seu início. Parece óbvio, mas raramente um filme consegue de imediato “dizer a que veio”. Ou seja, anunciar a sua proposta e atingir o público de forma a prepará-lo e instigá-lo. Quem não gostaria de assistir vídeos sobre uma estrela e seu entorno? Ainda mais gravados por ela mesma e retratando o centro de uma revolução. A primeira cena do filme nos faz essa irrecusável proposta.

O segundo ponto é a forma como a direção e o roteiro, assinados por Pedro Bronx, encontram-se para consolidar o filme a partir de imagens de arquivo. Esse é um dos pontos mais importantes quando se pensa numa possível contribuição do filme Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho para futuras obras documentais. Isso porque o filme se constrói quase que em primeira pessoa, mas não a primeira pessoa narradora, e sim a observadora. O público se encontra guiado pelos olhos da Beth. Esse olhar que é a fonte de tudo, tem seus registros “recortados” para um foco em vários momentos e temas a fim de alinhavar os pontos relevantes. Ou seja, mostra o que deve ser mostrado sem cair num precipício que dificulte a imersão em outros pontos, mas também sem reduzi-los todos a meros planos de fundo. Esse complexo movimento garante uma visão ampla e fluida dos fatos em diálogo.

Beth Carvalho em cena do documentário Andança
(Andança/divulgação)
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O terceiro ponto também abarca as contribuições, porém acerca do cansaço. Porque em meio a imagens de arquivos, mesmo que elas não sejam impessoais ou absurdamente pessoais, é importante reconhecer a ação do tempo a agir em prol do cansaço. E esse cansaço não é necessariamente responsabilidade do tema ou da abordagem, mas sobretudo de um justo vício nosso: o respiro. Infelizmente ele só nos é ofertado no final, quando vemos Beth Carvalho cara a cara com a “atualidade”. A sua falta é tão marcante que em dado momento o filme nos leva a pensar: “tá, mas e agora?”. Faz falta o filme não brincar com a obviedade. Reservar um lugar para o comum/habitual, não precisa ser visto como fraqueza/fracasso artístico ou intelectual. O contrário: saber balancear é a nobreza.

Beth Carvalho em cena do documentário Andança
(Luana Carvalho/arquivo pessoal)

Mas, por fim, Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho é um filme à altura da Beth. Ou seja, emociona avassaladoramente ao mesmo tempo que consegue propor algo de importante à sua respectiva linguagem. Beth é o que é e o que para sempre será, sobretudo pelos frutos que o seu respeito, cuidado e talento deram. Sua compreensão ampla seguida de atitudes mais do que justas e um talento ímpar, fora e dentro da tela, brilha, arrepia, avassala!

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cartaz Andança
(Andança/divulgação)
Andança - Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho

Direção: Pedro Bronz
Brasil – 2023 – 115 min

Beth Carvalho em cena do documentário Andança
(Ivan Klingen/divulgação)
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